segunda-feira, 30 de julho de 2012

HISTÓRIA


O Local das Aulas uma Casa de Saudades.


Por: Mestre Cafuné (Formado do Mestre Bimba)
Matéria extraída da Revista Praticando Capoeira nº13/ ano II
Quem passasse pela rua das Laranjeiras, hoje Francisco Muniz Barreto nº1 e olhasse para o alto de um velho sobrado de dois andares com quatro janelões guardados por pequenas sacadas de grades antigas, veria um negro taciturno,sereno, com um olhar distante, sentado em uma cadeira com uma das pernas espichadas sobre um tosco banco de madeira. Seus pensamentos corriam pelas ruas estreitas e sujas do antigo bairro do Pelourinho, por sobre aqueles telhados irregulares, por aquelas ladeiras cheias de crianças maltratadas, becos infestados de prostitutas, vadios e toda sorte de deterioração social, tão cruamente mostrada ali naquela época; talvez rebuscando na memória o tempo em que ele era jovem, quando ainda quase menino se metera naquela empreitada de ensinar a sua arte da capoeira; quem sabe procurando lá no fundo de seu ser as razões que o levou a aquela sina, salvar a capoeira tão maltratada, desfigurada e ele, Bimba, lutando dentro e fora da “roda” para soerguê-la, trazê-la para o seio da sociedade. Aquele sonho tão distante já se realizara há muito tempo: estudantes de medicina, direito, trabalhadores como carvoeiros, carpinteiros, marceneiros, pedreiros tantos jovens que chegaram às suas mãos, ganharam confiança para a vida, adquiriram manhas e mandingas, se tornaram fortes, vencedores. Na janela daquele casarão a presença do Velho Mestre se destacava ninguém o importunava e todos mantinham por ele um imenso respeito.
Na fachada do prédio, além dos quatro janelões superiores sempre abertos em duas bandas uma única porta com uma escada dava acesso ao primeiro andar. Internamente naquele casarão tinha um salão não muito grande, tinha uma banqueta para os exercícios de cintura e deslocamento, tinham dois cavaletes para exercícios de braços, peito e costas, criações e confecção do próprio Mestre, duas cadeiras velhas e um banco comprido tipo pela porco. Eram os únicos móveis da Academia. Aos fundos, à esquerda uma porta dava acesso ao único chuveiro e uma outra janela se abria para lugar nenhum e ali ficava uma moringa com água fresca para matarmos a sede. Ao lado direito uma divisória de madeira compensada fazia a separação entre o salão das aulas, do quartinho do Mestre e do cômodo onde trocávamos de roupas.
Muitas vezes alguns alunos chegavam mais cedo cumprimentavam o Mestre, iam se trocar e ele permanecia ali, quieto calado, com suas cismas até o momento de começarem os trabalhos. O burburinho dos alunos se aquecendo, as conversas sobre a capoeira ou os toques do berimbau, as brincadeiras, toda aquela energia agia sobre ele que passava a dominar o ambiente com sua enorme figura, toda a sua atenção e intensa vivacidade. Nada passava despercebido ao Mestre, falava com uns, corrigia outros, chamava a atenção aos que por ventura tentassem ultrapassar aos limites na brincadeira, cuidava com muito carinho dos novatos e já sua aula começava com muita ordem e respeito.
Ainda nas paredes, fotos, recortes de jornais de várias épocas, retratos dos antigos alunos, fotocópias dos diplomas de muitos alunos formados, um quadro negro para registrar em giz as “brahmas ou barbadinhas” multas que algum aluno recebia por faltas cometidas.
O piso era forrado por placas de vulcapiso já um tanto desbotados e as paredes de um branco indefinido Porém tudo muito limpo e organizado. E era assim o Centro de Cultura Física Regional a academia de Mestre Bimba naqueles idos de 1967.
Uma escola de Capoeira.
Um ambiente de companheirismo.
Hoje uma casa de saudades.



segunda-feira, 23 de julho de 2012

Brilha Ginga dos Ventos.

A Ginga dos Ventos reunida após uma linda apresentação de Capoeira, muito axé na roda, muita energia na batiada do maculeleê e muita beleza  nos movimentos solos dos alunos! Valeu mais este encontro!
Axé filhos da Ginga dos Ventos, acreditem sempre na força do bem, na força que a Capoeira nos dá!
Para refletir:
"Não temos como mudar os outros, mas podemos escolher não entrar na maldade deles"
(Zíbia Gasparetto).
Grupo de Estudos da Capoeira Ginga dos Ventos!
A galera reunida para mais uma palestra!
Axé!

terça-feira, 17 de julho de 2012

Mestre Bigo, discípulo de Mestre Pastinha, conta um pouco sobre a sua vida na Capoeira Angola.


Matéria extraída da Revista Praticando Capoeira nº06/ ano 2000

Veja alguns trechos.
Francisco Tomé dos Santos Filho, o Mestre Bigo, nasceu em 1946, em Salvador/ Bahia. Iniciou na capoeira em meados dos anos 50, após assistir a uma apresentação de capoeira, onde viu Mestre Pastinha e Mestre Cobrinha Verde num emaranhado de corpos.
Treinou na academia de Mestre Pastinha até 1975 (época em que casou-se e veio para São Paulo), convivendo com grandes expoentes da capoeira, como: João Grande, João Pequeno, Natividade, Papo Amarelo, Jonas, Bola Sete, Gildo Alfinete, Genésio Meio Quilo, Roberto Satanás entre outros.

Após chegar a São Paulo ficou um tempo afastado da capoeira, mas afirma que em momento algum esteve separado dela, pois a capoeira está no seu sangue, correndo em suas veias. Em 1989, Mestre Bigo fundou a academia Angola Ilê Axé, onde realiza um trabalho até hoje.
Confira abaixo a entrevista exclusiva que Mestre Bigo concedeu à Revista Praticando Capoeira.
 P. Capoeira: Muitos capoeiristas que praticam Capoeira Regional afirmam que a capoeira Angola é fraca como arte marcial. Qual a sua opinião?
Não acho não. A Angola tem mais malícia. A Regional é só ataque, defesa, raiva. O angoleiro entra na roda dando risada. Capoeira são duas cobras. A Regional tem um veneno só. Já a Angola tem o veneno de várias cobras. O Regional entra na Roda, fecha a mão, fecha a cara para bater. Quer dizer, é como se fosse uma cascavel que avisa que vais te pegar. O angoleiro é o contrário. Seria como todas as cobras, que procura atrair o seu agressor e dar risada, para dar um bote só, no momento certo. O angoleiro quando vê que vais dar o bote e não vai pegar, ele não dá Ele só dá o golpe certo. Na angola são poucos golpes, mas são todos originais. O angoleiro não desperdiça golpe. Angola é malícia, manha, maldade, falsidade, ataque e defesa, alegria e tristeza. Depois vem a mandinga, que é o tempo que faz. O angoleiro não confia em ninguém. Ele confia e desconfia. Ele finge que não vê que não escuta. O pessoal da Regional despreza a Angola (sem generalizar), é igual mãe e filho. A Angola é a mãe, e uma mãe nunca despreza um filho. Tem muita gente da Regional indo para a Angola para adquirir conhecimento, pois é na Capoeira Angola que está o conhecimento. A capoeira Angola nasceu na ânsia da liberdade. Ela nasceu como uma luta. Quem lutou na Guerra do Paraguai não foi Regional, foi Angola. O pessoal pensa que Angola é fraca, não é não. Quando os angoleiros estão jogando parece que os dois são uma pessoa só, um transmite uma energia muito forte para o outro.
P. Capoeira: Qual era o sistema de ensino na Academia de Mestre Pastinha?
Ele começava com a ginga, era o primeiro passo. Depois o primeiro golpe que ele ensinava era a meia lua de frente, que era para você conhecer o seu adversário. Depois ele ensinava mais golpes de frente. Então ele passava a ensinar os golpes giratórios; rabo de arraia, meia lua de costas e outros.
Agora, eu e Bola Sete gostávamos de chegar cedo para ficar conversando com o Mestre Pastinha, nós perguntávamos muitas coisas para ele e ele respondia.
Ele dava muitos conselhos para nós como:

Sempre dobre uma esquina aberta;
Não entre em lugar escuro;
Se você desconfiar que uma pessoa esteja armada, jogue um cigarro aceso em cima dela que ela vai colocar a mão na arma.
Sempre que estiver em um bar, sente-se olhando nos olhos do dono do bar, pois se acontecer qualquer coisa, os olhos deles vão “avisar”.
P. Capoeira: Porque grandes Mestres de capoeira Angola, estão hoje de certa forma, “esquecidos”, como aconteceu com Mestre Pastinha no final de sua vida?
Isso acontece mesmo. Eu falo que a capoeira Angola castiga a gente. O caso do Mestre Pastinha foi inveja de mais. Mestre Pastinha nunca jogou descalço. Antes da Viagem dele para a África ele foi fazer uma exibição num ginásio, na Bahia. Teve uma pessoa que falou para todo mundo jogar descalço, que capoeirista não nasceu calçado. Até esse dia, Mestre Pastinha nunca tinha jogado descalço numa roda de capoeira. Então, Mestre Pastinha tirou o sapato e foi jogar. Enquanto ele estava jogando, colocaram uma macumba no sapato dele. Mas a pessoa que fez isso também já morreu. O capoeirista sempre tem que pedir muita proteção. Quando o capoeira agacha ao pé do berimbau tem que se benzer, pedir proteção a Deus, pois ela vai para uma roda de capoeira sem saber a intenção do seu oponente.O capoeirista tem que descobrir nos olhos do seu oponente a intenção que ele vai tomar daquele momento em diante. Hoje em dia o capoeirista vai namorar e depois vai para a roda de capoeira; não pode nãoele está com o corpo aberto, o capoeirista tem que estar de corpo e espírito limpo para transmitir uma energia positiva na roda de capoeira e em sua vida.