O Local das Aulas uma Casa de Saudades.
Matéria extraída da Revista Praticando Capoeira nº13/ ano II
Quem passasse pela rua das Laranjeiras, hoje Francisco Muniz Barreto nº1 e olhasse para o alto de um velho sobrado de dois andares com quatro janelões guardados por pequenas sacadas de grades antigas, veria um negro taciturno,sereno, com um olhar distante, sentado em uma cadeira com uma das pernas espichadas sobre um tosco banco de madeira. Seus pensamentos corriam pelas ruas estreitas e sujas do antigo bairro do Pelourinho, por sobre aqueles telhados irregulares, por aquelas ladeiras cheias de crianças maltratadas, becos infestados de prostitutas, vadios e toda sorte de deterioração social, tão cruamente mostrada ali naquela época; talvez rebuscando na memória o tempo em que ele era jovem, quando ainda quase menino se metera naquela empreitada de ensinar a sua arte da capoeira; quem sabe procurando lá no fundo de seu ser as razões que o levou a aquela sina, salvar a capoeira tão maltratada, desfigurada e ele, Bimba, lutando dentro e fora da “roda” para soerguê-la, trazê-la para o seio da sociedade. Aquele sonho tão distante já se realizara há muito tempo: estudantes de medicina, direito, trabalhadores como carvoeiros, carpinteiros, marceneiros, pedreiros tantos jovens que chegaram às suas mãos, ganharam confiança para a vida, adquiriram manhas e mandingas, se tornaram fortes, vencedores. Na janela daquele casarão a presença do Velho Mestre se destacava ninguém o importunava e todos mantinham por ele um imenso respeito.
Na fachada do prédio, além dos quatro janelões superiores sempre abertos em duas bandas uma única porta com uma escada dava acesso ao primeiro andar. Internamente naquele casarão tinha um salão não muito grande, tinha uma banqueta para os exercícios de cintura e deslocamento, tinham dois cavaletes para exercícios de braços, peito e costas, criações e confecção do próprio Mestre, duas cadeiras velhas e um banco comprido tipo pela porco. Eram os únicos móveis da Academia. Aos fundos, à esquerda uma porta dava acesso ao único chuveiro e uma outra janela se abria para lugar nenhum e ali ficava uma moringa com água fresca para matarmos a sede. Ao lado direito uma divisória de madeira compensada fazia a separação entre o salão das aulas, do quartinho do Mestre e do cômodo onde trocávamos de roupas.
Muitas vezes alguns alunos chegavam mais cedo cumprimentavam o Mestre, iam se trocar e ele permanecia ali, quieto calado, com suas cismas até o momento de começarem os trabalhos. O burburinho dos alunos se aquecendo, as conversas sobre a capoeira ou os toques do berimbau, as brincadeiras, toda aquela energia agia sobre ele que passava a dominar o ambiente com sua enorme figura, toda a sua atenção e intensa vivacidade. Nada passava despercebido ao Mestre, falava com uns, corrigia outros, chamava a atenção aos que por ventura tentassem ultrapassar aos limites na brincadeira, cuidava com muito carinho dos novatos e já sua aula começava com muita ordem e respeito.
Ainda nas paredes, fotos, recortes de jornais de várias épocas, retratos dos antigos alunos, fotocópias dos diplomas de muitos alunos formados, um quadro negro para registrar em giz as “brahmas ou barbadinhas” multas que algum aluno recebia por faltas cometidas.
O piso era forrado por placas de vulcapiso já um tanto desbotados e as paredes de um branco indefinido Porém tudo muito limpo e organizado. E era assim o Centro de Cultura Física Regional a academia de Mestre Bimba naqueles idos de 1967.
Uma escola de Capoeira.
Um ambiente de companheirismo.
Hoje uma casa de saudades.
Nas memórias de Sergio Franchinetti Dória, o aluno que retirado da Escola a mando de Mestre Bimba. Expõem de forma muito peculiar a simpliscidade do casarão da década de 1960.
ResponderExcluirSó mesmo Mestre Cafuné para relatar um pouco da memórias da casa que pisou Manoel dos Reis machado (M. Bimba).