Nascimento: 15-08-1936
Mestre Paulo dos
Anjos
Poucos
praticantes de Capoeira da atualidade se apegaram tanto à tradição e à
originalidade da luta quanto o sergipano de Estância, José Paulo dos Anjos, ou
apenas mestre Paulo dos Anjos. Ele faleceu em Salvador, onde residia, vítima de
infecção hospitalar, contraída durante uma cirurgia, num hospital local. Seu
desaparecimento, além de causar a perda de uma figura humana muito estimada,
representa também outra perda — irreparável — para a Capoeira. Em especial para
a linhagem da Capoeira Angola.
Mestre Paulo dos
Anjos destacou-se, em vida, como um dos mais versáteis e exímios angoleiros
deste século e um dos que mais resistiram às tentativas correntes de enxertar a
Capoeira tradicional com os modismos e inovações da capoeira moderna. “Para
mim, nada mudou. Eu continuo fazendo a Capoeira Angola conforme a tradição”,
ele costumava dizer.
Nascido em 15 de agosto de 1936, na
cidade sergipana de Estância, o jovem de catorze anos José Paulo dos Santos já
despontava, em Salvador (1950) como um promissor lutador de boxe. Desde que
conheceu o mestre Canjiquinha, um ano antes, afeiçoou-se à Capoeira e passou a
freqüentar as rodas de rua da capital baiana e das cidades do Recôncavo. Nas
festas de largo, sua técnica e sua habilidade começaram a chamar a atenção de
todos e, daí em diante, o tempo se incumbiu de transformá-lo no mestre Paulo
dos Anjos, consagrado pelas mãos do próprio mestre Canjiquinha.
Além do respeito que sua
personalidade impunha naturalmente aos seus contemporâneos, ele se tornou muito
conhecido, também, como cantador de Capoeira e teve várias músicas gravadas em
CD, com seu estilo peculiar, mantendo a tradição da Capoeira também nas
músicas. Ao lado do mestre Gato Preto, deu aulas na Ilha de Itaparica e também
em outras localidades da região metropolitana de Salvador.
Na década de
70, transferiu-se para São Paulo, onde permaneceu por cinco anos. Em São José
dos Campos, formou o grupo Anjos de Angola. Em 1978, venceu o campeonato de
Capoeira, promovido no Ginásio do Pacaembu, na capital paulista. Retornou a
Salvador, em 1980, e influiu no movimento de conscientização dos capoeiras na
luta por melhores condições de trabalho. Integrou, a partir de 1987, a
Associação Brasileira de Capoeira Angola (ABCA) e acumulou seu trabalho na
Capoeira com as atividades de funcionário público, na prefeitura de Salvador.
Muitos de seus alunos são hoje, professores e mestres. Alguns já possuem
academias próprias em Salvador e em São Paulo: Virgílio do Retiro, Jaime de Mar
Grande, Jorge Satélite, Pássaro Preto, Amâncio, Neguinho, Renê, Alfredo,
Djalma, Galego, Mala, Josias, Cabeção, Jequié, Feijão, Vital e Al Capone, entre
outros.
Entrevista
“Eu sempre
fui um angoleiro”
Uma das mais interessantes
entrevistas do mestre Paulo dos Anjos foi concedida, em 1995, ao periódico
“Capoeirando”, da Universidade Estadual Paulista (Unicamp), de Campinas. Como
homenagem póstuma ao estimado mestre, a RC reproduz, abaixo, uma síntese dessa
entrevista:
Capoeirando:
Como ocorreu sua intimidade com a Capoeira?
Mestre Paulo
dos Anjos: Aprendi com o mestre Canjiquinha e participava das rodas na academia
do mestre Pastinha. Convivi com o mestre Gato Preto, ensinei com ele na Bahia e
também ensinei muito tempo na academia dele, em São Paulo.
Cap.: Por que
trocou a Bahia por São Paulo, na década de 70?
Paulo
dos Anjos: A situação estava ruim para mim, numa época de maré sem peixe e um
aluno — que treinava boxe comigo e sabia que eu jogava Capoeira — me convidou
para ir para São Paulo, e eu fui.
Cap.:
Continua ainda com suas aulas de Capoeira, em Salvador?
Paulo dos
Anjos: Eu tenho a Associação de Capoeira Angola, mas são os alunos que dão as
aulas. Eu dou aula no Salão Paroquial da Paz e alguns cursos fora da Bahia.
Cap.: Pela
sua vivência, acha que a Capoeira está mudando?
Paulo dos
Anjos: Para mim, nada mudou. Eu continuo fazendo a Capoeira Angola conforme a
tradição. Eu sempre fui um angoleiro. Nem discuto a Regional porque não
conheço, nem entendo. Se eu não entendo, não tenho que dar uma de entendedor!
Cap.: E como
é essa questão da tradição?
Paulo dos
Anjos: Tem que ter um cara mais velho do que eu para explicar.
Cap.: A
tradição incluía o uso da navalha?
Paulo dos
Anjos: Sempre teve gaiato, desordeiro com navalha. Safado, nunca deixou de ter
(na Capoeira), mas uma coisa existia e parece que não existe mais: o respeito.
Agora, tem moleque de vinte anos que, só porque dá um bocado de pulos, desafia
o mestre e chama para brigar!
Cap.: Por que
não se joga mais com navalha?
Paulo dos
Anjos: Porque nunca se jogou Capoeira com navalha. Botar (navalha) no pé para
jogar? Isso é mentira. É só
exibição! É só show!
Cap.: Mesmo
na antiga capoeira de rua não tinha navalha?
Paulo
dos Anjos: Tinha, mas era no bolso do capoeirista. Para botar no pé e sair
cortando, é mentira. Tem gente boa por aí que, se você pegar uma faca na mão e
não for macho mesmo, ele toma a faca e ainda bate em você. Imagine por navalha
no pé para sair cortando todo mundo! Isso é fantasia para enganar criança boba!
Fonte: Associação de
Capoeira Esquiva de Oxossi Urauguai
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