sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Olodumaré


Vou me embora dessa terra...
- Olodumaré...
Para outra terra eu vou...
- Olodumaré...
Sei que aqui eu sou querido...
- Olodumaré...
Mas não sei se lá eu sou...
- Olodumaré...
O que eu tenho pra levar...
- Olodumaré...
É a saudade desse chão...
- Olodumaré...
Minha força, meu batuque...
- Olodumaré...
Heranças da minha nação...

Ainda me lembro
Do terror, da agonia,
Como um louco eu corria
Para poder escapar.
E num porão
De um navio, dia e noite,
Fome e sede e o açoite
Conheci, posso contar.
Que o destino
Quase sempre foi a morte,
Muitos só tiveram a sorte
De a mortalha ser o mar.
Na nova terra
Novos povos, novas línguas,
Pelourinho, dor à míngua,
Nunca mais pude voltar.
E mesmo escravo
Nas caldeiras das usinas,
Nas senzalas e nas minas
Nova raça fiz brotar.
Hoje essa terra
Tem meu cheiro, minha cor,
O meu sangue, meu tambor,
Minha saga pra lembrar.
(Nóbrega, Antônio; FREIRE, Wilson. Pernambuco falando para o mundo. Eldorado, faixa 4.)

Vocabulário
Olodumaré: deus supremo entre os iorubas, povo negro do grupo sudanês da África ocidental que vive no Sudeste da Nigéria, em Benim e em Togo, trazidos em grandes levas para o Brasil.
açoite: qualquer objeto que pode servir para castigar alguém; chicote.
mortalha: pano ou vestimenta com que se envolve o cadáver; sepultura, cova.
pelourinho: coluna de pedra ou de madeira colocada em praça ou lugar central e público, onde eram exibidos e castigados os criminosos.
à míngua: num estado de extrema pobreza; na miséria, na penúria.
caldeira: recipiente metálico destinado a aquecer água e outros líquidos, a produzir vapor.
senzala: alojamento que abrigava os escravos.
saga: história rica em aventuras.

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